Anuário da COMUNICAÇÃO CORPORATIVA | 2024

DESEMBARQUE PROGRAMADO Anuário da COMUNICAÇÃO CORPORATIVA | 2024 340 Em 2018, a psicóloga paulista Fabiana Agapito morava em Sorocaba (interior de São Paulo) com os dois filhos, de quatro e sete anos, quando o marido, Luciano Ibrahim Duarte, recebeu proposta para ser consultor prestando serviços para uma empresa belga na Suécia. Fabiana tinha consultório, pacientes, reconhecimento profissional e família. Mudou-se para Estocolmo com uma visão idealizada de que o exterior é sempre melhor. “A Suécia é diferente tanto do Brasil quanto de outros países e o choque cultural é extremo. Comecei a pesquisar por que eu e meus filhos estávamos sofrendo. Eles, por estarem longe dos tios e dos avós, em um país com trocas afetivas mais difíceis e com o desafio de aprender uma nova língua na escola. Eu, por não estar me sentindo tão bem quanto imaginava. Fui pesquisar e descobri que o sofrimento tinha nome e sobrenome – luto migratório”. Ela encontrou Joseba Achotegui, diretor do Serviço de Atenção Psicopatológica e Psicossocial para Imigrantes Refugiados (Sappir) do Hospital Sant Pere Claver, de Barcelona, e professor da Universidade de Barcelona. Após 30 anos lidando com imigração, ele descreveu, em 2002, a síndrome do imigrante com estresse crônico e múltiplo, ou Síndrome de Ulisses. Segundo ele, “a imigração está gerando em milhões de pessoas um processo com níveis de estresse tão intensos que excedem a capacidade de adaptação do ser humano. Essas pessoas correm o risco de sofrer da Síndrome do Imigrante com Estresse Crônico e Múltiplo ou Síndrome de Ulisses”, fazendo menção ao herói grego que sofreu inúmeras adversidades e perigos longe de seus entes queridos. Essa síndrome caracteriza-se pelo sofrimento com vários lutos e com o surgimento de um amplo conjunto de sintomas psíquicos e somáticos que podem afetar a saúde mental. Após pesquisar, Fabiana fez mestrado com o próprio professor Achotegui em Barcelona. A comparação com a perda de uma pessoa faz sentido. O luto migratório é interno e permanente de tudo, de todos, e ao mesmo tempo. É a perda de pessoas, referências, lugares, cheiros e sabores. O luto migratório pode gerar até sete perdas: 1. Segurança emocional, sensação de pertencimento – a pessoa tem um lugar no mundo em que existe confiança mútua; 2. Língua materna; 3. Status social e referências; 4. Profissão; 5. Referências climáticas – perda da paisagem, da luminosidade, dos cheiros. Ela comenta: “Sinto falta daquele bando de fios na calçada, daquele caos, do cheiro da marginal dos rios Tietê e Pinheiros”. 6. Referências culturais – ela lembra que quando chegou à Suécia as novelas geravam conforto. “Jantávamos e assistíamos Éramos Seis, vendo e ouvindo vozes conhecidas”. 7. Integridade física, no caso de refugiados. “Mas também podemos adaptar para outros cenários. Por exemplo: em alguns casos, consultar-se com um médico no idioma local e explicar os sintomas. Ou o desconhecimento das leis locais”, esclarece. Depois do mestrado, retomou a carreira e atende a pacientes de vários países. Entre eles, muitas famílias de embaixadores: “A mudança a cada três anos é muito difícil e impactante, especialmente para as mulheres que acompanham seus maridos na carreira diplomática”. Segundo Fabiana, a pessoa supera as perdas do luto migratório quando consegue conviver com os dois lugares – de onde saiu e onde vive –, aceitando que ambos têm problemas e qualidades de diferentes ordens. Então, vai buscar algo para se realizar como ser humano. E isso pode significar a retomada da carreira sob novo ângulo ou o início de algo novo. (*) Lena Miessva é jornalista e diretora da Miessva Communication (www.miessvacommunication.com). Trabalhou nas empresas Grupo Orsa, Cargill, Elevadores Otis, Bayer do Brasil, Boehringer Ingelheim, Souza Cruz e Grupo Pão de Açúcar; na agência CDI Comunicação Corporativa; na Mega Brasil (como diretora editorial do Anuário da Comunicação Corporativa por seis edições) e na Jornalistas Editora (como coordenadora de prêmios jornalísticos e outros). Síndrome de Ulisses tem saída

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