Revista Locação 90

35 NAS ÚLTIMAS décadas temos visto um movimen- to corporativo global crescente da geração da cul- tura home office, que permite aos colaboradores terem um ambiente de trabalho em sua própria residência ou local preferido, de onde realizarão suas responsabilidades como se estivessem no espaço físico da organização. No Brasil, até o início de 2020, esse movimen- to vinha em passos tímidos, sendo que as culturas mais ousadas chegavam a permitir uma agenda facultativa algumas vezes por semana, com es- tações de trabalho móveis no próprio ambiente comunitário profissional. Assim, nesses contextos mais vanguardistas você poderia ver o ‘João’ sen- tado numa mesa num dia, e no outro dia em outra, sendo que num terceiro ele estaria em casa. Mas até a chegada da COVID-19 essa cultura pa- rava por aí, quando muito, pois, em geral, o que se via era a possibilidade de as pessoas trabalharem um único dia por semana de suas bases pessoais. Minha experiência com gente e organizações me deixa algumas interpretações sobre essa len- tidão em gerar realidades organizacionais mais sólidas do home office no Brasil. Cito algumas: A cultura brasileira do olho no olho, do abraço, da proximidade, da conexão, da afinidade... “Se não há o ‘olho no olho’, como poderia confiar de verdade?” O custo de oportunidade, uma vez que fazer uma transição de cultura dessa magnitude envolve dividir a atenção mental, emocional e física entre os objetivos de lucro e entregas com a mobilização e adaptação ao novo cenário. O custo em tecnologias de custo versus de geração de receitas, uma vez que parte do que se dedicaria para gerar vendas seria dedicado à estruturação interna de fluxo de trabalho. As implicações trabalhistas, que gerariam a necessidade de várias adaptações legais preventivas num ambiente jurídico e político de incertezas. A dúvida sobre a capacidade de autogestão e autorresponsabilização das pessoas, uma vez que o home-office reduz significativamente a possibilidade de microgestão. Mas, apesar de todas essas possíveis justifica- tivas, quando a água bate no pescoço as priorida- des mudam, e isso aconteceu em nosso mercado. A COVID-19 se tornou uma pandemia de consequ- ências imprevisíveis na saúde e na economia, num contexto em que a rapidez da informação gerou Artigo uma comoção não vista em pandemias anteriores. E, com isso, a cultura do home office (ou virtual), até então experimental, teve de virar uma realida- de em ritmo imediato. E daí é aquela história... uma mudança gradual e planejada é melhor digerida pelo cérebro, mas uma mudança imposta por ‘força maior’ gera um enorme sentimento de ameaça, o que causa rea- ções emocionais mais contundentes e uma redu- ção em nossa capacidade imediata de raciocinar de forma lógica, o que é essencial para uma rápida e eficaz adaptação ao novo contexto. E, para finalizar esse texto, deixo aqui algu- mas considerações. Primeiro, vários dos aspectos colocados aqui podem ser considerados em qual- quer contexto de mudança e, por isso, ao focar nos pontos você ganhará muito mais do que a efi- cácia neste momento em si, mas também poderá desenvolver competências para lidar mais facil- mente com mudanças futuras. Além disso, desconfio que, dependendo do tempo que tivermos de lidar com a COVID-19, nossa cultura organizacional poderá ser definiti- vamente transformada, como muitas transforma- ções do passado que foram geradas por motivos de força maior. Pode ser que, na balança de prós e contras, descubramos que a cultura virtual pode ser uma realidade que tanto poderá ter a mesma produti- vidade, como terá o potencial de reduzir o custo pessoal do deslocamento em grandes centros e a melhora da qualidade de vida das famílias e saúde dos indivíduos, uma vez que as pessoas terão mais espaço para cuidar de si próprias e dos seus... sem contar em impactos ambientais da mobilidade ur- bana, e tantas outras coisas... E, no final das contas... produtividade e susten- tabilidade não têm tudo a ver com isso? É isso aí. Juliana de Lacerda Camargo é sócia fundadora da R122 e Managing Partner do capítulo Brasil da Coaching4Today’s Leaders (C4TL/ EUA). Tem extensão em Neuropsicologia pela PUC/SP e é autora dos livros “Comunicação que transforma” e “Avançando para o alvo: um guia prático para definir e avançar os seus objetivos” “ANTES DA CHEGADA DA COVID-19, EM GERAL O QUE SE VIA ERA A POSSIBILIDADE DE AS PESSOAS TRABALHAREM UM ÚNICO DIA POR SEMANA DE SUAS BASES PESSOAIS”

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