8 9 Locação: Quais seriam as implicações desse retorno no que se refere à política tributária aplicada ao setor automotivo? RB: O questionamento sobre os altos níveis de tributação sobre os veículos é antigo, e invariavelmente os apelos por sua redução encontram forte resistência dos governantes, que, cada um com seus argumentos, procuram justificar a impossibilidade de alívio para preservar sua capacidade de arrecadação por motivos diversos. Além de não ver o cenário atual em situação diferente, também questiono o grau de repercussão negativa de uma iniciativa como essa, pelo fato de que, na verdade, altos níveis de tributação não são uma exclusividade automotiva, mas uma realidade generalizada no Brasil. Sendo assim, temo por uma pressão social bastante negativa sobre o que poderia ser considerada como uma benesse seletiva. Caso análogo se considerássemos uma carga tributária reduzida para um carro popular ou até mesmo popular e verde, supondo no caso um carro mais simples tecnologicamente e movido exclusivamente a etanol. Mesmo que a segunda opção pudesse ser alavancada com um argumento atualmente bastante forte, de redução de emissão de CO2. Embora com o histórico mencionado de insucessos nesse tipo de argumentação com os governos, minha posição é que a indústria deveria se somar a uma iniciativa mais ampla, abrangendo todos os setores produtivos, visando a constituição de um pacto nacional de redução de impostos em geral, aí obviamente incluídos os automotivos. Tal iniciativa seria complementar à reforma tributária. Obviamente, esse movimento tem que estar totalmente alinhado com o governo atual para que ele faça sua parte: reduza seus gastos para permitir que uma arrecadação menor continue a fechar suas contas. Vale lembrar que este tipo de iniciativa poderia ser replicado para outras pautas que também contribuem pesadamente para o custo final dos veículos, como a trabalhista e a logística, apenas para citar dois exemplos. Locação: Qual a expectativa mais otimista em relação a essa volta do carro popular? É possível que ele volte a ser comercializado em quantos anos? RB: Como podemos observar, as variáveis envolvidas são diversas e complexas, inclusive envolvendo atores além das fronteiras automotivas, sem falar que não sabemos em que nível os consumidores “comprariam” a ideia. Mas se os resultados das minhas enquetes apontarem uma tendência real, entendo que nossa engenharia daria um novo show de competência para oferecer produtos de qualidade, com menos recursos tecnológicos, que ainda poderiam ser oferecidos como acessórios para os que desejassem pagar por eles, e com preços convidativos em uma janela de tempo surpreendente. Difícil cravar um prazo exato, cada montadora tem suas particularidades, mas somente elas reúnem as informações necessárias para serem precisas nessa resposta. Neste momento também é fundamental que outras pautas sejam discutidas para viabilizar o equilíbrio econômico dessa iniciativa, afinal seria impensável voltar a oferecer um carro popular cuja produção desse prejuízo à indústria. Revisão de processos produtivos – a despeito de seu alto nível de eficiência atual –, pesquisa de novos materiais e padronização de componentes certamente seriam algumas delas. Locação: Muito se falou que o brasileiro já não “toleraria” mais o carro popular, pois já se acostumou com tecnologia embarcada e outros avanços. Além disso, a legislação recente determinou que itens como air bag sejam obrigatórios. Isso não é um empecilho? RB: Conforme mencionado, essa hipótese da volta dos carros populares não consideraria a supressão de qualquer elemento tecnológico relativo à segurança veicular ou redução de emissões, retrocessos que muito provavelmente seriam rechaçados pelo público e causariam enorme repercussão negativa para a indústria. Decerto essas considerações limitariam a efetividade da iniciativa no que diz respeito a uma redução de preços de venda. Porém cabe reiterar que é fundamental promovermos uma ampla e minuciosa pesquisa nacional que dê voz aos nossos consumidores, de forma a validar, ou não, a hipótese de retorno do carro popular ao mercado, antes de qualquer investimento nesse sentido. Também é importante mencionar a possibilidade de a indústria eventualmente oferecer alguns dos elementos tecnológicos suprimidos na forma de acessórios, o que preservaria o atendimento dos consumidores interessados nos mesmos, com uma diferença fundamental e democrática: só pagariam por eles quem fizesse a opção por isso e não como hoje, onde todos pagam, mesmo que não os desejam. Locação: Caso o novo carro popular vingue, como ficarão os preços dos seminovos? RB: Em primeiro lugar, é importante entender que o momento atual nem de longe significa a realidade do mercado de usados, mas sim um dos reflexos motivados pela sequência provocada pela pandemia. Nossa real base de análise deve ser dirigida aos tempos pré-pandemia, onde um veículo seminovo custava em torno de 30% a menos do que seu similar zero quilômetro, e os seminovos já disputavam mercado com modelos novos mais básicos em termos de tecnologia. A decisão de compra, como sempre, ficava à cargo dos interesses do consumidor. Sendo assim, já era esperado que a volta à normalidade da oferta de veículos novos fosse levar a uma igual normalidade nos preços dos seminovos, ou seja, uma redução dos valores atuais, de acordo com as premissas seculares do equilíbrio entre oferta e procura. Esse reequilíbrio só não está ocorrendo de forma mais veloz justamente por conta da dificuldade financeira dos potenciais consumidores de adquirir um carro zero quilômetro. Ao contrário, a venda de usados em geral permanece muito bem, graças aos valores mais acessíveis dos bens em questão, principalmente os de mais idade. No caso do eventual retorno de carros populares o mercado manteria a tendência de autorregularão, na qual, como sempre, o que prevalece no final é a decisão do consumidor. “JÁ ERA ESPERADO QUE A VOLTA À NORMALIDADE DA OFERTA DE VEÍCULOS NOVOS LEVASSE A UMA IGUAL NORMALIDADE NOS PREÇOS DOS SEMINOVOS, DENTRO DA PREMISSA DE EQUILÍBRIO ENTRE OFERTA E PROCURA” “SE O CARRO POPULAR FOR MESMO UMA TENDÊNCIA, A ENGENHARIA DARÁ UM NOVO SHOW DE COMPETÊNCIA PARA OFERECER PRODUTOS DE QUALIDADE, COM MENOS RECURSOS TECNOLÓGICOS, QUE AINDA PODEM SER OFERECIDOS COMO ACESSÓRIOS PARA QUEM DESEJE PAGAR POR ELES, E COM PREÇOS CONVIDATIVOS” “O MOMENTO ATUAL NEM DE LONGE SIGNIFICA A REALIDADE DO MERCADO DE USADOS, MAS SIM UM DOS REFLEXOS MOTIVADOS PELA SEQUÊNCIA PROVOCADA PELA PANDEMIA” Entrevista Entrevista
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