Revista Locação 92

29 DOMINGO, dez horas da noite, meu telefone toca. Era um amigo intercedendo por outro: “precisamos de um carro acessível, que transporte uma cadeira de rodas. Um ami- go terá alta do hospital amanhã. Fez uma cirurgia e não poderá sair da cadeira por, pelo menos, trinta dias. Preci- samos alugar um carro e não estamos encontrando” . Pedidos como este são frequentes em nossa empre- sa. Nem sempre são atendidos. Os cerca de 700 carros acessíveis (1) são insuficientes para atender a demanda de uma população estimada em 2,5 milhões de cadeiran- tes no Brasil (2). Além disso, vivemos o problema da falta de organização desta demanda. Um bom (e mau) exemplo disto é o Taxi Preto Acessível, de São Paulo. Com uma frota de cerca de 150 carros e sem recursos para divul- gação do serviço renderam-se a um contrato de volume e menor remuneração do ATENDE (serviço “porta a porta” de transporte de cadeirantes do município). Resultado: taxistas descontentes e usuários desatendidos. Engana-se quem pensa que essa população pode, facilmente, usar um transporte convencional. É normal que tenham seus “taxistas de estimação”, pagando por longos deslocamentos apenas para evitar o desagrado que muitas vezes passam quando estes ou motoristas de aplicativos negam-se a realizar a corrida por obser- varem a necessidade de acondicionar a cadeira de rodas no porta malas. Semana passada designamos um nosso colabora- dor para transportar um cliente à sua residência após o constrangimento de duas corridas negadas. Antes da pandemia, recebi uma amiga cadeirante em minha casa. O taxista aceitou a corrida, desde que houvesse alguém no destino que a auxiliasse no desembarque. Ele não o faria. Apesar de ainda distantes de um Brasil inclusivo, as pessoas com deficiência e mobilidade reduzida tem ga- nhado cada vez maior expressão na sociedade. A evolu- ção das minorias e a Lei de Cotas em muito tem contri- buído para que essas pessoas saiam de seus guetos e ocupem postos de trabalho, bancos de faculdades, ba- res, restaurantes, etc. E, claro, demandem por produtos e serviços de qualidade, pois deles dependem para sua inserção social e qualidade de vida. Também incorre em erro quem associa essa parce- la da população à pobreza. O Censo de 2010, do IBGE, aponta que 25% da população com deficiência no país é de classe AB. Já uma pesquisa realizada por ocasião da edição de 2008 da Reatech (maior evento de reabi- litação da América Latina, que ocorre em São Paulo), apontou que pertenciam a esta classe social 42% dos cerca de 45.000 visitantes que, naquele ano, buscavam por soluções e tecnologia. Os 370 mil veículos vendidos com isenção de impostos em 2019 também nos dizem algo sobre esta população (3). E assim, deficiente e desatendido segue o mercado de transporte acessível no Brasil, à espera de ser enxer- gado não pela ameaça da LBI (Lei Brasileira de Inclusão) que determina a obrigatoriedade de veículos acessíveis às locadoras de automóveis, mas pela oportunidade de um negócio ainda inexplorado. (1) considerados taxis e veículos de empresas parti- culares e locadoras de veículos, de todo o Brasil. (2) segundo CENSO 2010, do IBGE. (3) segundo Revista Reação, edição Jan/Fev 2020. Monica Lupatin Cavenaghi é administradora de empresas, especialista em tecnologia assistiva, diretora comercial da Cavenaghi, vice-presidente da ABRIDEF e presidente do Conselho Gestor da Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo Mobilidade

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